segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Colhendo o que plantamos...


Na minha geração (e olha que nem sou tão velha assim) os computadores ainda não
eram "febre" como hoje. Os celulares também não - definitivamente.
Mas os vídeo games (apesar de bem menos tecnológicos) já faziam - E MUITO -
a alegria da criançada.
Durante um tempo - pequeno - houve em nossa casa um video game.
Todavia, fico aqui me lembrando... essa tecnologia NUNCA foi "páreo" para substituir
nossa infância. Nunca!
E isso, acredito, foi devido a "apresentação do ser criança" que recebemos em casa, da nossa família, nossos pais, antes dele (o vídeo game) chegar.
Sempre fomos incentivados a criar.
Criávamos tudo, mesmo se tivéssemos brinquedos.
Acredito, sinceramente, que 70% do nosso "brincar" era imaginando, criando.
Criáva-mos uma cidade com vários carros (os meninos dirigiam suas tampas de panela),
morávamos em nossas casas (embaixo das mesas cobertas com lençois e pregadores)
e sóo saíamos de lá para visitar o "supermercado" e assim alimentar nossas "famílias"
(misturávamos biscoito, banana, doces e balas e criávamos cada receita...rs)
ou para ir ao "banco" - no qual estavam nossas cédulas, cheques e empréstimos
(produzidos e criados por nós mesmos).
Também brincávamos de inventar "comerciais para tv" dos nossos chinelos, relógios,
camisas e bonés.
Ou então ensaiávamos números e agendávamos um dia para apresentar no hall do prédio
(era a sen-sa-ção) depois de, claro, fazermos a punho um por um os panfletos de divulgação.
Brincávamos de "vendas".
Vendía-se de tudo: roupinha de barbie, barquinhos de papel, brigadeiros...
(e os vizinhos, rindo e dando-nos conselhos "de maketing" sempre compravam...)
Fazíamos coleções: de pedrinhas, de figurinhas, de papel de carta.
Jogávamos "bafo" com cartas e com tazzos (lembram?).
Ensaiávamos "números" para apresentar nos aniversários uns dos outros.
Brincávamos de "casa mal assombrada" no beco da casa
(uma espécie de "casa do terror" - criávamos breve enredos e um de nós "entrava" para visitar e se assustar, rs)
Nos divertíamos MUITO criando com massinha de modelar ou com Lego.
As personagens, algumas vezes, instalavam-se no terraço por semanas!
(e ai de quem distruisse "minha casa").
Você deve estar pensando: e o vídeo game, cadê? Ué, estava lá também.
Jogávamos TOP GUIER, SONIC, STREET FIGHTER, COME COME...
Quando? Quando chovia, quando um ia dormir na casa do outro ou quando
"não se havia nada para fazer...".
Diferente demais né não?! MUITO diferente. O video game era só uma opção,
SÓ MAIS UMA.
Tínhamos tanto com o que nos divertir, com o que nos entreter,
com o "ser criança" que este aparelho era a opção apenas dos dias e horários em que
estávamos "sem opção".
(Até contar quantos carros azuis, vermelhos ou brancos passavam pela nossa janela do
9º andar dentro de 15min era motivo de brincadeira. Era mais interessante que o vídeo game).
Brincávamos. Tínhamos amigos, REAIS.
Corríamos, caíamos, nos machucávamos.
Arrengávamos que era uma beleza...rs. Fazíamos as pazes.
Festejávamos quando um "novo morador" trazia junto um ou dois filhos.
Vivíamos a "vida real". Convivíamos.
Tinhámos pais que se sentavam à mesa conosco não só pelas "tarefas de casa",
mas também para pintar as "cédulas" do nosso banco,
para cortar e "ajudar na produção" dos panfletos do nosso show,
que reuniam lençois, pregadores e bacias para que brincássemos em nossas "casas"
embaixo das mesas.
Tínhamos casas "de verdade" - podíamos correr, mexer, usar.
Tínhamos amigos "de verdade" - podímos brigar, correr, suar.
Tínhamos brinquedos "de verdade" - jogos industrias e os NOSSOS jogos.
Tínhamos pais "de verdade" - que nos INCENTIVAVAM a ser criança.
Tínhamos problemas? Sim! Tínhamos crises? Sim!
Tínhamos dinheiro racionado vez ou outra? Sim!
Tínhamos pais que trabalhavam os 2 turnos? Sim!
Ficávamos doentes? Sim. Gostávamos de vídeo game? Sim.
Haviam pais separados? Sim. AINDA ASSIM éramos crianças? SIM, SIM, SIM.
Pois é... hoje, depois de adulta, ainda convivo com crianças e jovens quase todo dia.
Sou professora.
E, francamente... ou os conceitos de criança e infância mudaram muito, muito mesmo,
ou eu é que "não sei mais brincar"...
Se eu acho que há a possibilidade do menino Marcelo Perseguinni (provável assassino dos pais,
avós e suicida) de São Paulo - que era quieto, pacato, calmo e bom filho - tenha cometido
tamanha crueldade? Acho. É possível.
Digo isso por que sei que só quem convive DE PERTO com as crianças de hoje,
e AS ESCUTA de verdade sabe - como eu - que muitas vezes, elas nos assustam.
Claro, nem todas, mas muitas têm ideias egoístas e mesquinhas declaradamente.
Muitas só falam em si mesma e em seu benefício. São frias, quase insensíveis.
Muitas usam uma linguagem escandalosamente chula, "adulta" e cantam músicas de fazer pena. Muitas, muitas mesmo, são agressivas e violentas.
Os meninos - geralmente - sabem nomes de golpes de luta e de armas como ninguém
(nem se fosse combatentes saberiam tanto...).
Além disso, agendam "arruaças", brigas, guerras, confrontos e similares
com gente do mundo inteiro e se programam para não perder o "evento".
Muitos se "comportam" durante a semana para que no fim de semana o pai lhe dê dinheiro para
comprar no jogo virtual "X" ou "Y" armas, bombas, escudos ou "força" para matar com isso ou aquilo.
Para muitas crianças numa tarde inteira comigo, ESSE é o único assunto. Esse é o seu universo.
E ai você pensa que o menino Marcelo não seria capaz?
É monstruoso, é terrível, é inacreditável, mas sinceramente, para mim é possível.
Papai e mamãe, escute mais o seu filho. Esteja mais com seu filho.
Viva mais com seu filho. Brinque mais com ele. O priorize.
Você está construindo um adulto HOJE, AGORA, mesmo que ele só tenha 2 ou 3 anos.
O que ele come, o que ele assiste, onde ele estuda, com quem ele brinca, com O QUE ele brinca...
É sua responsabilidade...
Mais do que "acompanha-lo" você precisa ASSISTI-LO e participar 24hs da vida do seu filho.
E ainda fazer isso sem sufoca-lo, dando-lhe conselhos, EXEMPLOS e ensinamentos
mas deixando-o livre para viver, cair, chorar, brigar, se desculpar e entender o mundo.
É fácil? CLARO QUE NÃO!
Afinal, ninguém vive 24hs em função do filho.
Você teve o filho mais não deixou de ser você. Entretanto, você o teve.
Ele não "escolheu" nascer. Foi você que o "chamou a vida",
a responsabilidade de educá-lo é sua. É SUA!
A felicidade, a lucidez, a generosidade, os caminhos dessa criança
são SUA responsabilidade sr. papai e srt. mamãe. É assim que é!
Como você o incentiva a se descobrir (futebol, ballet, judô, colônia de férias, coral, teatro) 
e a experimentar suas habilidades e possibilidades? Trancando-lhe no quarto com um copo
de Coca, um computador de última geração, um vídeo game sensacional e um telefone que
só falta voar?! É assim?
Assim você "doma" um bicho ou educa uma criança? Pense bem...
Colhemos o que plantamos... e mesmo que você diga
"ah, mais eu controlo tudo. Aqui em casa tem tanto tempo pro celular, tanto pro video game, tanto pro computador..." eu ainda assim lhe pergunto:
Que infância é essa? Que criança isolada, virtualizada, insensível, descontextualizada é essa?
Ah com eu escuto...
"Professora, ele só grita, não me respeita, só come bobeira, não aguenta correr nem "daqui para alí", não gosta de sair, quase não tem amigos... esse menino é muito trabalhoso!".
MORRO de vontade de dizer:
"ué, se não fosse "trabalhoso" não era menino, era estátua de sal".
Tem uma frase "moderna" que todo papai e mamãe deveria escutar antes de assumir esta função:
"não sabe brincar, não desce pro play!".
Tenho muita pena da infância dos nossos dias...
MARI.
:(

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