segunda-feira, 5 de julho de 2010

OCA

Do que eu sinto mais falta?
Acho que do palco, e de tudo o que ele me representa.
Sinto falta do ritual.
De acordar no dia da apresentação com dor de barriga.
De prender o cabelo minuciosamente fio a fio.
De sair pro teatro sem dar uma palavra, poupando todos os fôlegos.
De me encontrar no camarim. De me maquear, me vestir.
Da zuadinha da sapatilha quebrando o breu e arranhando o linóleo.
De espiar a platéia pelo furinho da cortina e procurar a mamãe.
De parar num cantinho da cochia e perceber no movimento dos outros,
a correria: "ATENÇÃO PESSOAL, CINCO MINUTOS!"
De sentir que eu estou alí, que faço parte, que estarei em cena.
De ficar no breu total quando as luzes se apagam após o terceiro sinal,
e de escutar a cortina abrir e sentir o impacto do primeiro contato com o público.
Do que eu sinto mais falta?
Da sensação que não dá pra explicar...
de em nada pensar,
de deixar o movimento sair, fluir, de voar.
Deixar a energia correr feito louca pelo meu corpo
como uma formiga ultra-acelerada, descontrolada.
De fazer o carão, me montar, fazer a pose e vestir o personagem.
De ser livre, ser todas em uma só.
Não sou eu, dar vasão as outras de mim.
Como estou saudosa, como me corroe.
OCA.
Uma carcaça vazia, invadida por lembranças que só me atormentam:
"eu estou afastada, eu preciso estar lá, faz parte de mim".
Ah, como que queria ser duas.
Assim, faria da minha vida aquilo que eu PRECISO que ela seja com uma
e com a outra, faria somente o que eu QUERIA que ela fosse.
Porque vida é mais cruel quando se é adulto?
Só quando adulta é que percebi que a realidade deixa tantos
desejos quase ridículos, e faz a arte passar na prática, a ser luxo.
Não sei até quando aguentarei viver nesse jejum, nessa ausência, nesse dilema...
e se assim viver -o que é bem provável - aguentarei viver na frustação,
na lamentação, no sonho do que não foi, do que teria sido?
Aguentarei viver pra sempre assim?
Sem conseguir ver uma cena mais trabalhada na TV,
um peça, uma apresentação de dança... e me debulhar em lágrimas e tristeza?
Mas, aguentaria viver de arte? Triste enrascada. Encurralada.
Aliás, ultimamente não em fale em DANÇA, ou em BALLET ou em nada do gênero.
Não estou podendo, não estou.
OCA.
MARI
;(

3 comentários:

priscylatenorio@gmail.com disse...

É Mari, eu também sinto falta das coisas que me fazem suspirar... Dos meus roteiros, dos meus textos, das minhas poesias. Como vc se sente em relação a dança..
Realmente nossas "artes" que nos dão alegrias e orgulho, estão desaparecendo, ou melhor, saindo do nosso horizonte.
Também me sinto Oca.

Mari Marques disse...

é amiga, esse negócio de Artes será sempre um problema.
Não é vista como necessidade, mas como luxo, lazer.
Fico triste mesmo.
:/

Mariane disse...

Vim xeretar o que outra Mari escreve pelo lado de lá. E gostei do que vi, do que li!
Além de Mari, identifico-me por completo nesta tua escrita... ah se pudesse ser duas, uma viveria pelas obrigações e a outra pelo prazer!

Beijos de outra arteira Mari